Falta de dinheiro não é desculpa para não crescer

Olha que gracinha!
Sou eu, aos 7.

Quem lê o blog Cadeira Voadora pode pensar que nasci em berço esplêndido e que nunca me faltaram recursos ou dinheiro.

Ilusão. 

Nasci em família de baixo poder aquisitivo, e a situação se agravou consideravelmente quando sofri a inflamação na medula que atende pelo nome de mielite transversa.

Morávamos no interior (em Itabira, MG) e tivemos de nos mudar para a capital, o que causou sérios transtornos. Mal tínhamos dinheiro para a comida. A roupa era doada pelos parentes.



Desafios e oportunidades



Contudo, os anos passam, e a vida garante oportunidades. Agarrei com unhas e dentes todas que surgiram. Me esforcei quanto pude para estudar, com o apoio irrestrito de minha mãe. Íamos a pé (andava de bengalas canadenses), fizesse chuva ou sol. 

Quando chovia, tinha de atravessar o pátio alagado da escola para acessar a sala de aula. A roupa secava no corpo. Ou não secava... 

Meu pai não acreditava que uma pessoa com deficiência precisasse estudar, porque achava que não conseguiria emprego. Mas colaborou com o que lhe era possível… sobretudo, sua presença jamais faltou.

Bem cedo, pré-adolescente, criei maneiras de ganhar algum dinheiro com artesanato, novamente com a parceria de minha mãe. Mais tarde, como sempre fui uma aluna excepcional, fui estimulada por um namorado, que também era meu professor, a dar aulas particulares de português e matemática, o que deu muito certo. Depois, um vizinho e um professor me incentivaram a prestar concurso para o Banco do Brasil e a Assembleia Legislativa de Minas. 

Meus pais só tinham o primeiro grau e eu era a filha mais velha; portanto, sem ajuda de mamãe, papai e irmãos para os estudos. E, claro, sem cursinho. Estudei sozinha, em casa, com livros e apostilas emprestados por vizinhos e o auxílio de dois Marcos: o namorado e um professor, que confiavam em mim e achavam que eu era capaz de obter sucesso. Ambos me muniam de apostilas emprestadas e trocentos exercícios de matemática e contabilidade.



Tudo vale a pena



Felizmente passei nos dois concursos e escolhi trabalhar na Assembleia Legislativa, onde vou me aposentar em breve, como redatora revisora. 

Em todos estes anos, investi pesado na saúde, fazendo todos os tratamentos que podia para ser mais forte e ter mais vitalidade. Estudei, me formei, namorei, passeei, viajei, curti família e amigos, me espiritualizei – verbos no passado para contar uma história, mas são coisas em que invisto cotidianamente!

Cada um vê os obstáculos e desafios
de um modo. Como ocasiões para aprender;
como limites que precisam
ser respeitados; como estorvo.
Cada um é cada um...
Hoje, se existe uma cadeira voadora, ela foi construída pelas dores e pelas alegrias, pelos desafios e pela superação, pela amizade e pela intolerância, pelo preconceito e pelo incentivo, pela exclusão e pela inclusão. 

Porque, é claro, cada um de nós é o que é em razão das escolhas que fez diante das circunstâncias que lhe foram apresentadas. Eu não seria diferente. Olhando, porém, à distância, diria que fiz boas escolhas em grande parte do tempo.

Portanto, ninguém se iluda. Nenhuma cadeira voadora nasce pronta…! Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é, disse Caetano. E cada um precisa saber que tem condições de ser aquilo que pode ser. Nada mais, nada menos.

Mas o que você pode ser só você poderá descobrir.


Nota: O blog Cadeira Voadora está em novo endereço. Para acessá-lo, digite www.cadeiravoadora.com.br Ficarei feliz em receber sua visita!




Comentários

  1. Fiquei muito emocionada com seu texto, Parabens vc mereçe. Beijos Sheila

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  2. Queridíssima laura, amada amiga,

    ao ler este depoimento tão belo e cheio de verdade sobre sua vida e história, fico a pensar que entre a lagarta e a borboleta está posta a crisálida - com seus apertos e dores - que nos cumpre suportar para virmos a ser quem podemos e devemos ser.

    Fico muito feliz por vc ter passado pela transformação do fogo com ousadia e coragem - a guiança do coração! E por partilhar seu amor em forma de sementes nos corações daqueles que passam por convites semelhantes da vida para a autosuperação. Em tempos de guerra e dores de parto por que passa a humanidade, é bom ver que sua alma - e sua vida - está na paz da floração!

    Bjo enorme de quem te admira muitãozão!
    Várias vezes!!!!

    Andrei Moreira

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  3. Parabéns Laura, você é um grande exemplo a seguir. Sua história de vida é muito bonita, uma guerreira que venceu.

    Beijos

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  4. Laura, o eu que é teu blog hein mulher!!
    Lindo , lindo!
    Adorei a forma como você escreve, como vive...!
    Estava procurando leis sobre vagas de estacionamento reservadas e te achei...*))

    Adorei, adorei!
    Posso linkar teu blog??!!
    beijos.
    Cora.

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  5. Sheila, que bom que se emocionou! Minha intenção era, de fato, falar ao coração... Beijos e obrigada pelo comentário!

    Luzia, obrigada pela visita e pelo comentário... Já sou seguidora do seu lindo blog!

    Andrei, querido! Quantas vezes vc esteve presente cuidando da borboleta, hein? Do fundo do coração, eu te amo!

    Olá, Cora, prazer em conhecê-la! E gratíssima pelos elogios!
    É claro que pode linkar meu blog... É uma honra. E assim que tiver tempo vou dar uma lida no seu... Grande abraço!

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  6. Adorei, Laura!
    O nome do blog é mais que vendedor (ou sedutor, para quem preferir) e o lide, então... Este texto corajoso sobre a falta de dinheiro não ser impedimento é um alento nos tempos do paternalismo que grassa por todo lado. Lembrança boa das gerações paupérrimas da minha família, cheias de espírito batalhador, que tanto faz falta hoje em dia.
    Quanto à escrita... Sempre sensacional. Uma aula; uma inspiração.

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  7. Leo, fico honrada com seu comentário cheio de elogios.

    Saiba que valorizo muito sua opinião, vc que é uma das inteligências mais agudas que conheço. E com sensibilidade de sobra...

    Quanto à questão do paternalismo, concordo mil vezes. Hoje em dia falta de dinheiro é desculpa para tudo, e muitas pessoas acham que suprir essa necessidade do outro equivale a colaborar com ele.

    Será? Acho que não necessariamente, e isso tem de ser questionado, porque precisamos aprender a lutar por nossos sonhos. Há mil formas de ajudar o outro, que não necessariamente suprindo-o de dinheiro.

    Jamais deixei de fazer nada porque não tinha dinheiro. Quem convive comigo pode atestar a verdade dessa afirmação. Lutei, corri atrás, pedi descontos, ganhei muita coisa (desde roupas e tratamentos até viagens), troquei serviços por bens. Jamais me senti humilhada por conta disso. Ao contrário: sou IMENSAMENTE grata a qualquer pessoa que fez algo por mim. E principalmente sou grata aos que confiaram em mim e investiram em meu potencial.

    Obrigada pelo comentário, de coração!

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  8. Olá Laura,estava navegando na internet com o pensamento longe, quando me deparei com sua mensagem, fiz a leitura da mesma e achei muito especial, principalmente neste momento em questão, pois minha irmã, que eu tenho como mãe e irmã veio a ter morte celebral ontém dia 16/03/2011, por motivos de bronquite, sinto e sentirei sua falta.Como você cita em um trecho de sua mensagem:"Nenhuma cadeira voadora nasce pronta…! Cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é". Sinto a dor, sei da delícia que foi conviver com ela. Então não poderei pensar de outra forma que a vida continua e que algum dia irei reve-la.
    Parabéns pela sua história de vida, com certaza ira motivar e auxíliar varias pessoas.
    Att. Reginaldo

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  9. Reginaldo, gratíssima pela mensagem! É muita generosidade da sua parte doar suas palavras em um momento de dor, em que é vc que necessita receber.

    Não tenho dúvida de que a vida continua e de que irá rever sua irmã. Lembrando o livro da Zibia Gasparetto: os laços de amor são eternos.

    Abraço!

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  10. Lindo, surpreendente, puro... Ao escrever você deixa um pouco da sua alma em cada palavra. É Vibrante. Onofre

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  11. Onofre, seu comentário me emocionou. Nem sei o que dizer...

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  12. Parabéns companheira.A partir de hoje a minha vida não sera mais a mesma,que exemplo de vida para mim
    SUCESSO.

    Antonio venas

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  13. Parabéns companheira,a partir de hoje a minha vida não sera mas a mesmo.Que exemplo de vida para mim.SUCESSO.forte abraço.

    Antonio venas

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  14. Parabéns também a vc, Antonio, pela coragem e determinação. Conversamos ontem no Facebook e fiquei feliz em saber dos seus planos de mudança. Abraço!

    ResponderExcluir
  15. Que texto motivador! Parabéns a você por sua garra e dedicação absoluta. O estudo é a principal fonte de melhoria de uma sociedade. Vou seguir seu blog.

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  16. Prazer em conhecê-lo, Heron. Seja bem-vindo! Abração

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  17. Laura:

    Foi boazinha sobre o "baixo poder aquisitivo". A gente era pobre de marré desci. Certa vez, um garoto me perguntou: você só tem essa roupa?

    Lembro que havia outros cadeirantes no bairro. A Valéria, minha amiga, nunca foi à escola. Só aprendeu a ler e escrever porque a mãe ensinou. Que talento desperdiçado...

    Não sei quanto a você, mas eu me sinto um pouco self-made man da concepção norteamericana. Digamos que estávamos bem assessorados. Além do mais, verdade seja dita: seu exemplo acabou inspirando os irmãos (rs). Veja que somos todos formados pela UFMG (gratuita) e servidores públicos.

    Realmente, falta de dinheiro não é desculpa. Lembro-me dos cursos de português e pré-vestibular que fiz: o parco dinheiro que eu tinha era gasto todinho neles. Fiquei mais de um ano sem comprar roupas ou calçado (rs). E isso é só uma parte da história.

    Enfim, vencemos! Bjs.

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  18. Pois é, Ulysses, usei um eufemismo quando disse que a gente tinha "baixo poder aquisitivo". É isso mesmo que vc falou: éramos pobres mesmo! Mal tínhamos o que comer...

    Concordo com vc sobre a gente ser self-made man. Como disso João outro dia, num almoço em família, a gente foi criado para ser autônomo.

    É uma bela história, a nossa. E tudo valeu a pena!

    Lembrando Fernando Pessoa:

    "Valeu a pena? Tudo vale a pena
    Se a alma não é pequena.
    Quem quer passar além do Bojador
    Tem que passar além da dor."

    Grata pelo comentário! Me emocionei profundamente com ele...

    Bjs

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  19. Inspiradora sua história. Lutas em comum com as minhas. Estou criando minha cadeira voadora e já tenho dado uns rasantes. Mas sei que vou voar bem alto. Sucesso para nós! Parabéns pelo seu blog.

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    1. Obrigada pela visita, Meire Ellem!

      Estou certa de que vai voar bem alto!

      Beijo grande

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  20. Boa tarde Laura.
    Encontrei seu blog, ao "googlar" sobre fixação de cadeira de rodas em ônibus.
    Me pediram para fazer a reposição dos adesivos dos ônibus, que a empresa utiliza no transporte dos clientes. Quando vi as ilustrações de instrução, achei muito pouco legíveis e vim pesquisar. Não achei ilustrações melhores. Mas achei você. Muito bom compartilhar sua energia e entusiasmo. Vou ver se consigo melhorar as instruções pros usuários. Se tiver informações, ou idéias pra me ajudar, agradeço.

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    1. Eduardo, que bom receber sua mensagem. Seja bem-vindo!
      Agora meu blog está em novo endereço, mas não quis excluir o antigo, porque tem textos muito significativos.
      O novo endereço é: www.cadeiravoadora.com.br
      Tem página no Facebook também, na qual posto inúmeras dicas relacionadas ao universo da pessoa com deficiência. Passa lá!
      Estou à disposição.
      Grande abraço!

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