Alentejo: para se encantar

João e eu passeando por Évora



Não posso conceber a vida se não for para se encantar. Não, eu não sou ingênua. A vida é dura, os desafios são imensos e demandam energia; é preciso força e determinação se quisermos chegar a algum lugar. Ao lado de tudo isso, porém, a natureza e os seres humanos produzem pequenos e grandes milagres todos os dias.

A chuva faz brotar os grãos.
O corpo transforma comida em nutrientes e produz energia para a vida.
A mente humana é capaz de materializar progresso.
O ser humano, em parceria com a natureza, é capaz de produzir joias como o Alentejo.


Como fomos parar no Alentejo

Contei para vocês, aqui, que contratamos o Sr. Aníbal para passear em Queluz, Sintra e Cascais, não foi mesmo? No planejamento da viagem para Portugal, Ulysses quis esticar as pernas até Badajoz, na Espanha. A princípio, planejávamos ir de ônibus. Mas não há transporte adaptado até a cidade, então resolvi perguntar ao nosso caro colaborador das estradas se ele nos levaria até lá. Qual não foi nossa alegria quando ele respondeu que nos levaria aonde quiséssemos! Rá! Badajoz na lista. Então, pensamos: já que vamos até a Espanha, o que poderemos conhecer no caminho? Foi então que incluímos Évora e, por sugestão do Sr. Aníbal, Monsaraz, da qual ainda não tínhamos ouvido falar.

É este passeio que passo a narrar a vocês, alertando que, na verdade, passamos por várias outras vilas e cidades que apareciam pelo caminho. É um passeio para quem está em boa companhia, tem grande disposição e entusiasmo, pois é longo e cansativo.  E não é o tipo de loucura que costumo fazer, mas… valeu a pena!


Planícies, sol e um povo que não tem pressa para nada

O Alentejo é alcançado após a travessia do Rio Tejo, pela bela ponte 25 de abril, inspirada na Golden Gate. No primeiro andar, ela recebe o tráfego ferroviário; no segundo, o rodoviário.

Esta é a Ponte 25 de Abril 

(todas as fotos foram tiradas por João e Ulysses Martins)



Pegamos a estrada e bem depressa começamos a avistar as longas planícies alentejanas, onde a temperatura é mais alta que em Lisboa. Quanto mais para o sul, mais calor. Ficamos conhecendo o sobreiro, uma árvore da qual se extrai a cortiça, muito utilizada em Portugal também no artesanato, e descortinamos plantações de oliveira, a árvore que produz as azeitonas. Na região, também são comuns os vinhedos.


Este é o sobreiro, já com uma parte descascada, 

de onde foi retirada a cortiça

Oliveiras em Monsaraz



Quilômetro após quilômetro, você passará a achar que castelos são construções muito comuns no mundo – pelo menos, naquele mundo –, e as muralhas e fortificações passarão a habitar sua memória para sempre. Casas térreas e branquinhas atestam a influência moura e dão um ar de zelo às vilas. Você vai respirar beleza, cultura e história a cada passo. 


Casinhas caiadas e fortificações estão por toda parte: herança moura



Ah! Como eu poderia esquecer a culinária? Escolha um bom restaurante de aldeia e desfrute! Almoçamos no O Gato, em Reguengos de Monsaraz, que, apesar de não ter acesso para cadeirantes, fica como dica para os andantes e para as rodinhas que encaram qualquer parada!


Évora

Patrimônio Mundial da Humanidade, a cidade é linda e merece maior tempo para visitação, o que não fizemos. Não deixa de ser uma desculpa para voltar!

Igrejas, praças, casario branco, ruas medievais, povo hospitaleiro, belo artesanato, monumentos de quase 2 mil anos – ufa! É muita coisa para pouco tempo. Vale a pena sentar-se para apreciar um bom vinho ou um pão alentejano, caminhar calmamente em busca de artesanato para fixar memórias, quando ele for habitar um nicho de sua casa, e visitar sem pressa o templo romano, observando as crianças em idade escolar realizando atividades na praça! E você pensa que dinheiro paga essas coisas? Engano seu. Paga o combustível do carro; a sensibilidade é por sua conta.


Fonte em Évora, toda de mármore



Para ver o artesanato local, é preciso encarar uma subidinha, em rua revestida de pedras. Mas há uma passarela central, que é lisa.


Lilia em uma dentre tantas lojinhas de artesanato em Évora


A circulação é facilitada por essas passarelas de pedra lisa



Perto do templo romano, que tem quase 2 mil anos, há banheiro público adaptado para cadeirantes. Porém, o calçamento não é fácil para as rodas.

O calçamento de pedras pontudas é terrível. Se for muito difícil para você, 

é só fazer o percurso de automóvel.



Crianças acompanhadas de seus professores fazem atividades junto às ruínas


Epa! Acaba de chegar um ônibus com turistas... Mas vejam como a paisagem é bonita!



Em Évora fica um monumento bastante conhecido, a Capela dos Ossos.

“Está situada na Igreja de São Francisco. Foi construída no século XVII por iniciativa de três monges que, dentro do espírito da altura (contra-reforma religiosa, de acordo com as normativas do Concílio de Trento), pretendeu transmitir a mensagem da transitoriedade da vida, tal como se depreende do célebre aviso à entrada: ‘Nós ossos que aqui estamos pelos vossos esperamos’.” (Wikipédia)

Paredes e pilares são revestidos com ossos e crânios, mas fique tranquilo, pois não é assustador nem lúgubre (bem, não são todos que pensam como eu, diga-se). Mesmo porque, com hordas de turista, o que é que pode ser considerado assustador, senão os próprios turistas, que fazem um barulho ensurdecedor? Nossa tática é a de esperar que o povo vá embora; em geral, são excursões, e os turistas ficam poucos minutos… Se você aguardar, poderá ver tudo com calma.





Cadeirantes não pagam entrada, mas têm que passar pela bilheteria. A calçada de acesso é muito estreita (afinal, trata-se de um sítio histórico), e há um pequeno degrau na entrada, mas há uma rampa (íngreme) para acesso à Igreja de São Francisco, pela qual se chega à capela. Após passar pela bilheteria, lhe indicarão uma entrada lateral para cadeirantes e carrinhos de bebê. E, para entrar na capela propriamente dita, há um degrau. 

Dá trabalho, mas eu asseguro que vale a pena. Embora não seja a única capela decorada com ossos no mundo, é preciso aproveitar a oportunidade. 

A capela é muito interessante e propicia uma boa reflexão 

sobre a transitoriedade da vida


Algumas pessoas acham tudo muito sinistro... Eu não achei, talvez porque... 

(continua abaixo)


... a capela estivesse cheia de técnicos fazendo a limpeza dos ossos, assim como

 cheia de turistas, o que acaba com o ar solene!


O piso é liso, e há uma proteção de vidro temperado que impede 

que cheguemos muito perto dos ossos. Ah! Tinha muitas crianças, viu?


Pórtico de entrada com a conhecida frase: "Nós ossos que aqui estamos pelos

 vossos esperamos". Captou a mensagem? ;-)


Para ler dois poemas que se encontram na capela, clique aqui.

Reproduzo um trechinho:

“Aonde vais, caminhante, acelerado? / Pára… não prossigas mais avante; / Negócio, não tens mais importante, / Do que este, à tua vista apresentado. / Recorda quantos desta vida tem passado, / Reflecte em que terás fim semelhante, / Que para meditar causa é bastante / Terem todos mais nisto parado.”

Para ver excelentes fotos da Capela dos Ossos, clique aqui


Chegando a Monsaraz...



Monsaraz


Considerada uma varanda sobre o Alqueva – o maior lago artificial da Europa –, é uma vila medieval entre muros, na fronteira com a Espanha, com uma vista de tirar o fôlego. Apaixonante é pouco.


Em Monsaraz, as casinhas caiadas reaparecem. Ao fundo, o Alqueva.


As ruas de pedra são charmosas demais, assim como os restaurantes e as lojinhas de artesanato. Não é fácil para cadeirantes, porque o calçamento é de xisto. Entramos de carro e foi assim que conhecemos o local, embora só seja permitido entrar a pé. Caso decida fazer o mesmo, esteja preparado para receber algum alerta e vá avisando logo que você não tem condições de fazer o percurso a pé.



Os templários estiveram bastante presentes na história portuguesa - e permanecem

 no imaginário. Veja esta entrada de taverna em Monsaraz!



Ruelas calçadas com xisto exigem pneu de trator na cadeira de rodas



Uau! Que bela a vista para o Alqueva, não?


A vila já está na minha lista de retornos, mas, da próxima vez, não saio de lá tão cedo!

Após a passagem por Monsaraz, atravessamos uma ponte sobre o Alqueva (ou sobre o Rio Guadiana? Não sei mais...) em busca de Badajoz.


Foi por esta ponte que passamos para ir em busca de nosso próximo destino:

 Badajoz!


Placa indicando que a Espanha está logo ali!


Chegamos!!! Lisboa ficou há cerca de 250km...



Badajoz

Fica na Espanha, na fronteira com Portugal. É uma cidade bastante desenvolvida, com uma parte histórica, mais isolada, que é foco de cultura árabe.

Muito bonita e tratada com zelo, vê-se no local respeito pelo cadeirante, pois há vagas reservadas por toda parte e rebaixamentos de calçada também. No site da cidade há um mapa com indicações de tudo que é acessível! Veja aqui.


João e Ulysses têm a Plaza Alta ao fundo, que fica contígua à universidade.



A Plaza Alta vista por outro ângulo. É totalmente acessível. Veja abaixo.



Veja: rebaixamento para ter acesso aos corredores laterais.



Circular nas faixas de ardósia é mais fácil!





Cheguei ao local muito cansada, no final da tarde. Por isso, praticamente não circulei por lá, a não ser de carro. Mas a parte histórica é cheia de ruelas: quase não há largura suficiente para passar um automóvel. O calçamento de pedras e as ladeiras também dificultam a vida do cadeirante. Apesar disso, vale a visita. É muito bonita!


Outra bela praça em Badajoz, onde encontramos várias cafeterias e de onde é

 possível acessar a parte histórica a pé


No retorno, nosso anjo da guarda, o Sr. Aníbal, ainda tinha energia para passear conosco em Elvas. Nós quisemos extrair dele, a todo custo, o segredo para chegar à idade madura com aquela energia toda. Parece que é o vinho… Será? Ou seria o magnífico azeite português? Não conseguimos descobrir.


O belo aqueduto de Elvas


No final das contas, deu pra ver que Elvas, também Patrimônio Mundial, é de ficar de boca aberta. Mas você acha que tínhamos energia para andar pela cidade? Acertou! A energia tinha chegado ao fim. Chegamos a Lisboa às 21 horas, dormindo quase toda a viagem de volta, embalados pela boa música que rolava no carro. Quase nem vimos quando passamos pela bela ponte Vasco da Gama…

Bye, bye, Alentejo! Até a volta! <3


Ouça um pouco de música portuguesa:















Para saber mais:









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