Minha liberdade termina onde mesmo?

Este vídeo que compartilho com vocês me tocou/incomodou bastante. Um cadeirante tenta se locomover por uma calçada e depara com um automóvel estacionado. Vejam:




Como cadeirante, é comum que eu enfrente situações semelhantes. É claro: esse tipo de coisa não oferece empecilho exclusivamente para cadeirantes, mas também para pessoas que conduzem carrinhos de bebês, para idosos, pessoas com deficiência temporária e por aí vai.



A reflexão que me interessa fazer, porém, é a seguinte: há pessoas que só enxergam o próprio umbigo e, se têm uma necessidade -- ou se querem algo --, não interessa a necessidade dos outros: farão o que querem e pronto! Estaciono na calçada -- afinal, não encontrei vaga; é rapidinho... Estaciono em vagas reservadas para pessoas com deficiência sim; afinal, "aleijado" não sai de casa. E se sai, não é justo que tenha uma vaga só para ele.


Meus amigos cadeirantes e eu ouvimos coisas desse tipo todo santo dia. Algumas pessoas falam isso por ignorância. Não sabem que os estabelecimentos reservam vagas para pessoas com dificuldade de locomoção a fim de reduzir suas dificuldades. Essas vagas ficam próximas à entrada, para evitar que a pessoa tenha que andar uma distância maior; são mais largas, para a porta do carro se abrir o suficiente a fim de que a pessoa tire a cadeira de rodas sem danificar outro automóvel, se transfira para a cadeira ou consiga manejar suas muletas com facilidade. Enfim: não constituem privilégio; são uma compensação pela dificuldade enfrentada; uma forma de amenizá-la.

As vagas não são maiores por acaso.
E há uma razão para ficarem perto da
entrada do estabelecimento
 

O comportamento gerado por ignorância está sendo enfrentado dia a dia por uma avalanche de informações na internet e na mídia, até mesmo em novela, como vimos recentemente em Viver a Vida, com a personagem Luciana. Mas parece que ainda tem atingido um número insuficiente de pessoas, haja vista a quantidade de vezes que deparo com um carro de uma pessoa sem deficiência estacionado em vagas reservadas.

Mas enfrentamos também as tais pessoas que só enxergam as próprias necessidades. Elas têm uma compreensão distorcida de liberdade. Não compreendem que a liberdade delas precisa ser fraterna, ou seja, precisa respeitar a necessidade do outro, não pode ferir o limite de outro indivíduo.

A diversidade marca a espécie humana. Cada um com características próprias, com necessidades peculiares. Para viver bem em sociedade, precisamos respeitar as idiossincrasias. Se não consigo ser fraterno, posso pelo menos ser inteligente e previdente. Afinal, se num momento evito lesar o direito do outro que precisa usar uma vaga reservada ou um banheiro adaptado, outra hora sou eu que adquiro uma deficência temporária (por uma perna quebrada, por exemplo) ou permanente (por um acidente de automóvel, quem sabe?) e necessitarei usar essa mesma vaga...

Bem, alguém já disse alguma coisa semelhante há muitos e muitos séculos. Algo como não fazer ao outro aquilo que não queremos seja feito contra nós. Isso é fundamento não só da fraternidade, mas da ética.

Eu não quero fazer parte da sociedade do vale-tudo. Na minha, há de valer apenas o que for bom pra todos. Me ajudem a conscientizar os outros, vcs, pessoas com deficiência ou não, que já são exemplo de ações éticas.

Mas o vídeo traz algo mais, que achei muito bacana. Ele foi produzido por uma fundação ligada ao preparo de atletas com deficência para os jogos de Pequim, em 2008*. Diz o seguinte, em português de Portugal:


"Obrigado pelos obstáculos, pelas barreiras e pelas dificuldades. Estamos em forma para Pequim."

É o cúmulo da ironia... Mais ou menos assim: aproveitamos as dificuldades para nos fazermos melhores. E não é que é verdade? Acho que durmo com essa!...


*De acordo com o site do Cantic (Centro de Avaliação em Novas Tecnologias de Informação e Comunicação), o vídeo postado aqui faz parte de uma campanha promovida pela Federação Portuguesa de Desporto para Deficientes, que iniciou, em 2006, o Projecto SuperAtleta Pequim 2008. Trata-se de um projeto de marketing e comunicação com o objetivo de captar parcerias e patrocínios a fim de proporcionar aos atletas paralímpicos condições para a sua preparação desportiva, com as exigências da alta competição. Este é um dos filmes da campanha, produzido pela agência BBDO Portugal. 

(Post publicado originariamente no blog Acordo de Paz.)

Publicidade francesa em foto de Lak Lobato
"Nossa vida deve se limitar aos lugares que nos
são reservados?"
Atualização em 28/1/2011:


Leia aqui um artigo de Lak Lobato, do blog Desculpe, não ouvi, sobre direitos das pessoas com deficiência e vagas demarcadas.


No mesmo blog, leia este texto sobre inclusão, também muito bom.



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