Passeando por Lisboa em cadeira de rodas
Calçadão da Rua Augusta(Todas as fotos pertencem ao acervo de João, Laura e Ulysses Martins) |
Para ler os 5 posts anteriores
sobre Portugal, clique em:
- Portugal para cadeirantes
- Queluz e Sintra (Portugal): dá pra ir de cadeira de rodas?
- Tina Descolada e Cadeira Voadora na Praça do Comércio, em Lisboa
- Oceanário de Lisboa para crianças com deficiência
- Alentejo: para se encantar
Nocturno da Graça
Há um rumor de bosque no pequeno jardim / Um rumor de bosque no canto dos cedros / Sob o íman azul da lua cheia / O rio cheio de escamas brilha. / Negra cheia de luzes brilha a cidade alheia.
Sophia de Mello Breyner Andresen
in Mar Novo, 1958
No quesito charme, Lisboa é uma
cidade à frente de muitas. As vielas, o casario histórico, os miradouros, o fado, o Rio Tejo – são muitas as atrações. O mesmo não se pode dizer, porém, de sua acessibilidade, como já contei
pra vcs em meu primeiro post sobre a cidade. Lisboa não é simples para os
cadeirantes. Mesmo assim, há várias opções de passeios (veja outras nos primeiros posts).
Praça D. Pedro IV ou do Rossio, Rua Augusta, Praça do Comércio
Esta é a parte plana de Lisboa,
ótima para caminhar! O Rossio (ou Praça D. Pedro IV) é o coração da cidade. De
lá, pode-se alcançar boa parte das atrações turísticas, algumas a pé.
A praça é bonita, com
cafeterias e restaurantes no entorno, e o Teatro Nacional de Dona Maria numa
das extremidades. Bem próxima do teatro, está a estação ferroviária, com sua rica
fachada. Do outro lado do teatro, no Largo São Domingos, uma interessante
igreja, que vale a visita.
Praça do Rossio. No alto, o teatro. |
Em Lisboa, alguns monumentos
sobreviveram a terremotos e incêndios e foram preservados sem restauração. São
documentos vivos, e isso me impressionou bastante, porque têm uma beleza
singular. Este é o caso da Igreja de São Domingos, cujas paredes guardam as
marcas desses acidentes. Não desconsidere esta visita. E se prepare para
esquecer a agitação da rua e penetrar numa atmosfera solene, de silêncio e
respeito.
As paredes e colunas da Igreja de São Domingos guardam as marcasde um terremoto e um incêndio. |
Voltando ao Rossio, na outra
extremidade, temos acesso ao calçadão da Rua Augusta, cheio de lojas bacanas,
restaurantes para pegar turistas, e artistas fazendo performances, uns realmente
muito bons – de outros já não se pode dizer o mesmo. Caminhar pela Augusta rumo
à Praça do Comércio é um programa divertido e agradável!
Grupo folclórico faz bonita apresentação na Rua Augusta |
Também na Rua Augusta, uma das melhores estátuas vivas que já vi |
E aqui, como em outros lugares
de Lisboa, vc vai encontrar algo bom demais: as indefectíveis castanhas
portuguesas assadas na brasa, baratinhas, deliciosas, para comer enquanto
passeia! Não sei se estão disponíveis em qualquer época do ano, ou se somente
no outono… São vendidas em saquinhos com 10 ou 20. Hummmmm!
Elevador Santa Justa
Uma roubada, em minha opinião. O
ingresso, que dá direito à ida e à volta, é caro, a não ser que vc tenha
adquirido o Lisboa Card*. Prepare-se para uma fila grande e desorganizada, exposta
à chuva, sem ninguém a quem pedir informação (não sei se isso ocorre sempre, ou
se é porque estava em reforma; toda a parte externa do elevador estava
recoberta).
A fila não anda, e não há
prioridade para nenhuma categoria. Quando finalmente alcançamos o elevador,
compramos os tíquetes com o próprio ascensorista. Não, ele não tem troco e não aceita cartão, só dinheiro vivo. Foi aí que
descobrimos por qual razão a fila não andava…
O elevador tem estrutura de
ferro e cabine de madeira. Leva menos de dois minutos para conduzir algumas poucas pessoas ao miradouro, cuja vista é bem bonita, mas não sei se vale o esforço
de enfrentar a fila. Dali também se tem acesso ao Largo do Carmo e às ruínas do
Convento do Carmo. Mas não espere facilidades para cadeirantes: não há rebaixamentos,
e a rua é calçada com pedras. As rodinhas dianteiras da cadeira de rodas vão
tropeçar e agarrar mil vezes nas pedras.
*O Lisboa Card é um cartão que pode ser adquirido pela internet, nos quiosques do Ask Me Lisboa ou no aeroporto. Com ele, vc entra gratuitamente ou com desconto em praticamente todas as atrações turísticas de Lisboa e algumas dos arredores. Além disso, ele lhe permite usar ilimitadamente a rede de transportes da cidade. Está disponível para 24, 48 ou 72 horas, mas desconfio que não seja interessante para cadeirantes, pois em alguns lugares não pagamos entrada, e não vamos aproveitar muito o transporte público, pois nem sempre é acessível. Porém, cada um precisará avaliar por si a vantagem de adquiri-lo.
Largo do Chiado
Vc pode chegar lá a pé, a
partir da Praça do Rossio, mas há ladeiras. Talvez o caminho mais simples seja
passando por dentro do shopping Armazéns do Chiado… Ou pode ir de táxi, mas ele
vai dar umas voltinhas, pois as ruas em Lisboa costumam ter mão única.
É um local charmoso, onde
encontramos o café A Brasileira, com a famosa estátua de Fernando Pessoa. Do
lado de dentro está sempre lotado, e do lado de fora as mesinhas ficam sobre
uma parte elevada. Será necessário guindaste para subir… Espero que vc tenha levado
algum na mochila.
Batendo um papo com Pessoa... |
Ulysses e eu admirando o belo café A Brasileira |
Show de fado
Ir a Lisboa e não assistir a
uma apresentação de fado é imperdoável. Afinal, para conhecer verdadeiramente uma
cidade é preciso usar todos os nossos sentidos, não é mesmo? A música é parte
importante de qualquer cultura.
O fado revela um pouco da alma
portuguesa; as canções são melancólicas e as letras falam de dor, saudades e desilusões
amorosas. Sua relevância é tal que foi
elevado a patrimônio oral e imaterial da humanidade pela Unesco, em
2011. São tantos os bons artistas que cantam fado que fica difícil enumerá-los!
Tivemos mais de uma indicação
de lugar para ouvir um bom fado. Decidimos pelo Clube do Fado, considerado um
dos melhores. É imprescindível fazer reserva, bem como avisar que usa cadeira
de rodas. O ambiente é pequeno e fica cheio. Como são duas casas, uma ao lado
da outra, os garçons nos conduzem ao ambiente que é mais acessível para as
rodas: um pequeno degrau na porta e já estamos no interior. Mas a cadeira não
entra no banheiro (então, beba pouco), e o local fica numa rua íngreme. O carro
precisará deixar vc na porta.
Não se intimide por isso, pois
o show é muito bom. Duas cantoras e
dois cantores se revezam, com voz, interpretação e parte instrumental irrepreensíveis. Éramos cinco pessoas, e
todos adoramos.
Dica: os pedidos de refeição e
bebidas são feitos antes da apresentação ou nos intervalos entre uma e outra.
Durante a apresentação, o silêncio é total. Adorei isso!
Não há desculpa para não visitar a bela Praça do Império, em frente aoMosteiro. Circule pelos jardins e admire os espelhos d'água e fontes! |
Recorri a esta foto, que não pertence ao nosso acervo, para te convencer a visitar aPraça do Império. Veja como é linda, e está muito bem cuidada.(Foto de Fernando de Sousa, retirada da Wikipedia) |
Mosteiro dos Jerônimos
O Mosteiro fica no Bairro de
Belém, que concentra muitos monumentos da Era do Descobrimento e outras
atrações. Dica: sempre consulte os sites dos locais antes de sair do hotel,
para saber o dia em que estão fechados.
É uma atração lindíssima, com a
atmosfera de silêncio e mistério que eu adoro. Dali é possível atingir várias outras
atrações – além de passear ou descansar na bela praça em frente. Contudo, não
encontramos passagem acessível para a Torre de Belém, que fica do outro lado da
avenida. Pelo que nos informaram, só há uma passagem, que é subterrânea,
através de escadas. Ou seja: ao que tudo indica, para o cadeirante ir de um
lado até o outro, só de carro. =(
O Google Maps nos ajuda a ter uma ideia da proximidade dos monumentos no Bairro de Belém. Marquei o Mosteiro com uma estrelinha. |
O Mosteiro visto da Praça do Império |
Estou em frente ao Mosteiro, um pouco distante da entrada, onde há um mundo de pessoas |
Esqueça os domingos, pois nesse
dia o Mosteiro fica abarrotado de gente. Acesse o site e planeje sua visita com
calma, para aproveitar bem. Cadeirantes não pagam entrada, nem o acompanhante,
o que é uma forma de compensação, já que a acessibilidade é muito limitada. Ao
chegar, principalmente em caso de fila imensa, dirija-se imediatamente a um dos
funcionários. Eles estão devidamente identificados com crachás e orientarão vc,
embora eles próprios não estejam muito bem orientados. Mas compensam essa falha
com simpatia e boa vontade. Lembre-se de orientá-los com muita objetividade
quando for visitar a igreja, pois terão de carregar sua cadeira (são dois altos
degraus). Não desista por causa disso, pois a igreja é incrivelmente bela, com
uma energia especial.
Após, peça ajuda novamente e se
dirija à bilheteria, pois é necessário emitir o tíquete, ainda que haja
gratuidade. Daí, o cadeirante terá acesso ao claustro inferior, onde poderá
percorrer os corredores e ter acesso ao túmulo do poeta Fernando Pessoa. Para o
pátio central, será necessário descer alguns degraus, mas você pode vê-lo dos
corredores, caso não queira descer. Há banheiro acessível, e para usá-lo é
necessário pedir a chave a um funcionário.
Túmulo de Fernando Pessoa |
Cadeirantes têm acesso ao claustro inferior, que é belíssimo. |
Pátio do Mosteiro dos Jerônimos, com acesso pelo claustro inferior. Observe os degraus. |
Claustro inferior |
Considero este um passeio
imperdível, pois a arquitetura é belíssima. É uma pena que não temos acesso à
parte superior…
A parte chata é a quantidade de
vendedores ambulantes na área externa, de modo geral mulheres vendendo réplicas
malfeitas de pulseirinhas Pandora. Parecem-se com os vendedores de algumas
praias brasileiras, que quase transformam seu lazer num verdadeiro inferno, com
seu assédio incômodo.
Ao sair, ande um pouco para a
direita e terá acesso ao interessante Museu Nacional de Arqueologia. Não deixe
de visitá-lo, caso tenha tempo e energia. Gostei demais.
Dá para ir a pé aos Pastéis de
Belém, caso queira conferir a iguaria , que é encontrada também em outros
locais, mas com o nome de pastel de nata.
“Pastel de Belém” é marca registrada. Diz-se que, na Confeitaria de Belém, o doce mais famoso de Portugal é preparado a partir de uma
receita secreta, que lhe dá um toque mágico. Não, eu não fui ao local; esse
tipo de doce não tem a minha preferência… Mas deixo aqui a foto que meus irmãos
tiraram. Lembre-se: vai encontrar filas imensas na porta; são pessoas que
desejam comprar para levar. Desconsidere a fila, entre no local e vá para o
fundo, onde encontrará mesas disponíveis. ;-)
Na porta dos Pastéis de Belém, uma pequena multidão... |
Perto do Mosteiro está o Centro
Cultural de Belém, com excelente loja de souvenir, livraria, restaurante,
cafeteria, teatro, museu e banheiros acessíveis no segundo piso. Para o acesso
ao piso superior, há uma plataforma elevatória que não oferece muita segurança
– e você deverá operá-la sozinho. Sim, é isso mesmo. Pedi informações na
bilheteria: não há seguranças para ajudar. Apenas me ensinaram a manejar o
equipamento… Se não desejar se arriscar na plataforma elevatória, poderá optar
pela íngreme e extensa rampa lateral. Mas eu asseguro que vale a pena subir,
pelas obras de arte, pelo restaurante, pela linda vista do Tejo. Ah! E pelo
banheiro, é claro! rsrs
Este é o Jardim das Oliveiras, no Centro Cultural de Belém. Opção para um descanso,observando a bela vista do Tejo, o Padrão dos Descobrimentos, a Ponte 25 de Abril. |
O Centro Cultural tem uma
galeria de lojas do lado direito da entrada, acessível pelo lado externo, onde
você encontra também uma boa cafeteria/casa de chá.
Para passear no Bairro de
Belém, reserve o dia todo. Almoce por lá, descanse um pouco sob as árvores e depois
retome os passeios. Pressa para quê? Carpe
diem!
Sobre restaurantes, falarei no
próximo post, em que indicarei também hotel, ok? Até lá!
Para saber mais:
Padrão dos Descobrimentos |
Torre de Belém |
Belas fotos. Lugares lindos que ficam guardados na memória. Arquitetura antiga e bem cuidada sempre faz bem aos olhos. Espero que melhorem cada dia mais a acessibilidade para facilitar a vida de todas as pessoas com algum tipo de deficiência. Continue; você inspira a mim e tenho certeza que a muitas pessoas nesse mundo infinito da Internet a viajar. Estou acompanhando suas postagens com carinho de mãe de deficiente. Bjs
ResponderExcluirLuiza querida, seus comentários sempre são enriquecedores e atuam como incentivo para mim!
ExcluirEu acredito firmemente que, à medida que mais pessoas com deficiência saem pelo mundo e se deparam com a falta de acessibilidade, mais crescerão os protestos e a exigência de que os direitos sejam respeitados. Consequentemente, a tendência é que melhorem os acessos.
Por isso, continuemos a viajar e a incentivar outras pessoas a viajarem, não é mesmo?
Grande beijo!